1. A Grande Decisão: Expandir ou Abandonar o Mercado de Jogos?
Em 2021, de acordo com um relatório publicado pelo site The Information, a Microsoft, sob a liderança de Satya Nadella, enfrentou um dilema estratégico fundamental em 2021: continuar investindo no setor de jogos ou abandoná-lo completamente. Esse momento crítico veio em um período de mudanças significativas na indústria dos videogames, com a ascensão dos serviços de assinatura e a crescente relevância dos jogos em nuvem.
A decisão final de Nadella foi clara – a Microsoft seguiria um caminho agressivo de expansão. Para isso, a empresa optou por aquisições estratégicas, começando com a Bethesda Studios, criadora de franquias de sucesso como The Elder Scrolls e Fallout, por US$ 7 bilhões. Esse movimento foi seguido pela aquisição massiva da Activision Blizzard, responsável por Call of Duty, World of Warcraft e Diablo, por impressionantes US$ 75,4 bilhões em 2023.
A estratégia parecia promissora. Ao adquirir grandes desenvolvedores, a Microsoft esperava impulsionar as assinaturas do Game Pass, seu serviço de assinatura lançado em 2017, e fortalecer sua presença na indústria de jogos. No entanto, os primeiros resultados indicaram um retorno modesto sobre esses investimentos.
De acordo com os relatórios financeiros, a receita do setor de jogos da Microsoft cresceu apenas 5,8% no ano fiscal até junho, bem abaixo da meta de 11% definida para o cálculo da remuneração de Nadella. Esse número não incluía a receita da Activision após a aquisição, mas já refletia o desempenho do Game Pass.
Além disso, no trimestre encerrado em setembro de 2023, a Microsoft indicou que sua divisão de jogos não apresentou crescimento significativo sem a contribuição inicial da receita da Activision. Para os investidores, esse desempenho modesto no setor de jogos é menos relevante do que os avanços da Microsoft em inteligência artificial e computação em nuvem. No entanto, considerando que a compra da Activision foi a maior aquisição da história da empresa, os resultados dessa aposta são essenciais para avaliar a estratégia de longo prazo da Microsoft.
2. O Game Pass e a Resistência do Mercado
O Game Pass foi lançado com a ambição de revolucionar a forma como os consumidores acessam jogos, oferecendo um modelo de assinatura mensal que permite aos jogadores acessar uma biblioteca extensa de títulos para PC e Xbox. A ideia é semelhante ao que serviços como Netflix e Spotify fizeram para filmes, séries e música, respectivamente.

O serviço começou com preços entre US$ 12 e US$ 20 por mês e, inicialmente, atraiu um número significativo de assinantes. Até 2021, o Game Pass já contava com 18 milhões de usuários. No entanto, a partir de 2022, a Microsoft parou de divulgar os números anuais de assinantes regularmente, revelando apenas que, em fevereiro de 2023, o Game Pass havia crescido 36% desde 2022, atingindo 34 milhões de assinantes.
Apesar desse crescimento, a Microsoft enfrenta desafios consideráveis para expandir o Game Pass. Um dos principais obstáculos vem dos próprios desenvolvedores de jogos, que demonstram resistência à proposta da empresa.
Historicamente, as grandes empresas de jogos, como a Activision antes de ser adquirida, hesitaram em disponibilizar seus títulos em um modelo de assinatura, temendo que isso pudesse reduzir sua receita total. Afinal, a venda direta de jogos a preços entre US$ 60 e US$ 70 ainda é a principal fonte de renda para muitas dessas empresas.
Com a aquisição da Activision, a Microsoft esperava reverter essa lógica e atrair mais estúdios para o Game Pass. No entanto, mesmo após essa aquisição, muitos desenvolvedores continuam relutantes em adotar esse modelo. Segundo fontes internas, vários estúdios de renome recusaram a oferta da Microsoft de colocar seus jogos no Game Pass, mesmo com as taxas de compensação oferecidas pela empresa.
Essa resistência levanta questões importantes sobre a viabilidade do Game Pass como modelo de negócios a longo prazo. Embora a Microsoft esteja tentando criar um ecossistema de jogos baseado em assinaturas, ainda não está claro se a indústria e os consumidores estão dispostos a abraçar essa mudança em larga escala.
Além disso, a Microsoft esperava que a aquisição da Activision incentivasse mais desenvolvedores a utilizar os serviços de computação em nuvem da empresa, especialmente o Azure. No entanto, a realidade se mostrou diferente: a Activision não usava o Azure antes da aquisição e, mesmo após o acordo, continuou a alugar servidores do Google Cloud e Amazon Web Services, além de manter sua própria infraestrutura.
Esse cenário sugere que a Microsoft ainda precisa convencer a indústria de jogos de que o Game Pass e seus serviços em nuvem são opções viáveis e lucrativas. Até que isso aconteça, a adoção do modelo de assinatura pode continuar enfrentando desafios significativos.
3. O Futuro da Microsoft nos Jogos: Metas Ambiciosas e Incertezas

Antes da conclusão da compra da Activision, a Microsoft estabeleceu uma meta ousada para o Game Pass: atingir mais de 100 milhões de assinantes até 2030. Isso exigiria um crescimento anual médio de 40%, um número significativamente superior à taxa de crescimento registrada desde 2020.
No entanto, o desempenho abaixo das expectativas levou a empresa a reavaliar sua abordagem. Em outubro de 2023, a Microsoft decidiu remover o crescimento do Game Pass como um dos critérios para determinar a remuneração de Satya Nadella, após a empresa não atingir as metas estabelecidas nos dois anos anteriores.
Apesar dos desafios, a Microsoft continua apostando no Game Pass e na expansão de seu portfólio de jogos. Em declarações recentes aos acionistas, Nadella afirmou que o serviço havia estabelecido um “novo recorde de receita” no trimestre anterior e que um número recorde de novos assinantes foi registrado no dia do lançamento de Call of Duty: Black Ops 6, um dos títulos mais aguardados da Activision.
Ainda assim, alguns investidores permanecem céticos sobre o impacto real da aquisição da Activision. Para Denny Fish, gestor de portfólio da Janus Henderson Investors, que administra fundos com mais de US$ 800 milhões em ações da Microsoft, o desempenho da Activision tem sido “decepcionante”. Ele destaca que, embora a empresa tenha sido relativamente consistente ao longo dos anos, sua receita é altamente volátil devido à dependência de grandes lançamentos, como Call of Duty.
Além disso, muitos investidores estão mais preocupados com os altos custos da Microsoft em data centers para inteligência artificial do que com os desafios do setor de jogos. O foco da empresa em IA e computação em nuvem tem um impacto direto no valor de suas ações, e a incerteza sobre os retornos desse investimento ainda pesa sobre a estratégia geral da Microsoft.
A Visão do Especialista

A decisão da Microsoft de expandir agressivamente sua presença no mercado de jogos foi uma aposta ousada, marcada por aquisições bilionárias e a tentativa de consolidar o Game Pass como um modelo de negócios viável. No entanto, os resultados até agora foram mistos: o crescimento da receita do setor de jogos foi abaixo do esperado, e a resistência da indústria ao modelo de assinatura continua sendo um obstáculo.
A meta de atingir 100 milhões de assinantes do Game Pass até 2030 é ambiciosa, mas as dificuldades em atrair desenvolvedores e garantir uma adoção mais ampla do serviço colocam essa previsão em dúvida. Enquanto isso, os investidores continuam focados nos investimentos da Microsoft em inteligência artificial e computação em nuvem, que podem ser mais decisivos para o futuro da empresa do que seu desempenho no setor de jogos.
A trajetória da Microsoft nos jogos ainda está sendo escrita, e os próximos anos serão cruciais para determinar se a aposta de Nadella foi um passo visionário ou um risco elevado sem retorno garantido.